segunda-feira, 24 de maio de 2010

Avesso.

Se uma águia fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas;
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o voo mais cortante;
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até o extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas noturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamejante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia)
baixemos nosso olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O velo de ouro

O Barco,
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não...

O Barco,
Noite no teu, tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
o porto, nada...

O Barco,
O automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
do meu dente em tua veia.
O sangue, o charco, barulho lento
o porto, silêncio...

Navegar é preciso,
viver não é preciso.

terça-feira, 30 de março de 2010

Cisne negro.

Anda em mim, soturnamente,
Uma tristeza ociosa
Sem objetivo, latente,
Vaga, indecisa, medrosa.

Como ave torva e sem rumo,
Ondula, vagueia, oscila
E sobe em nuvens de fumo
E na minh'alma se asila.

Uma tristeza que eu, mudo,
Fico nela meditando
E meditando, por tudo
E em toda a parte sonhando.

Tristeza de não sei donde,
De não sei quando nem como...

Flor mortal, que dentro esconde
Sementes de um mago pomo.

Dessas tristezas incertas,
Esparsas, indefinidas...

Como almas vagas, desertas
No rumo eterno das vidas.

Tristeza sem causa forte,
Diversa de outras tristezas,
Nem da vida nem da morte
Gerada nas correntezas...

Tristeza de outros espaços,
De outros céus, de outras esferas,
De outros límpidos abraços,
De outras castas primaveras.

Dessas tristezas que vagam
Com volúpias tão sombrias
Que as nossas almas alagam
De estranhas melancolias.

Dessas tristezas sem fundo,
Sem origens prolongadas,
Sem saudades deste mundo,
Sem noites, sem alvoradas.

Que principiam no sonho
E acabam na Realidade,
Através do mar tristonho
Desta absurda Imensidade.

Certa tristeza indizível,
Abstrata, como se fosse
A grande alma do Sensível
Magoada, mística, doce.

Ah! tristeza imponderável,
Abismo, mistério aflito,
Torturante, formidável...

Ah! tristeza do Infinito!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

The last dance.

Desarrumações, desamores, destemperos, despreparos, me acompanham todos.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A ilha.

Contando os minutos para deixar Joaçaba e voltar para Desterro, vulgo Florianópolis. É impressionante como fica cada vez mais difícil ficar longe daquela Ilha maldita, por mais que eu, reiteradamente, me identifique como um manezinho rebelde. Os problemas que eu sempre identifiquei continuam lá: você é valorizado pelo que aparenta ser, os ranços da mentalidade provinciana ainda abundam, mas... é só. O pior de lá ainda são as pessoas, mas só agora me dou conta de quão minoritária é a parcela de gente que faz não valer a pena.

E Deus salve o dia onze de agosto! Graças a ele vou poder ir ao McDonald's até terça-feira! Sim, nunca pensei que fosse sentir falta até disso, mas... O Brollo é bom, mas falta alguma coisa... Mais gordura trans!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Reserva do possível.

A nova moda agora por parte dos administrativistas é a invocação da bendita "reserva do possível" para tentar se eximir de sua responsabilidade em dar cabal cumprimento a direitos fundamentais. Isso me enche o saco e faz com que eu concorde com o nosso estimado professor de Direito Administrativo no que de mais revolucionário destila.

Partindo sempre dos mais rudimentares conceitos de constitucionalismo, a Constituição se presta a duas funções: reconhecer os direitos (de facere e de non-facere) e dotar a cidadania de garantias denominadas fundamentais, por um lado, e por outro fundar as instituições estatais: forma e sistema de Governo e de Estado, poderes e órgãos soberanos e, diria Kelsen, de que forma se põem as normas jurídicas, de caráter geral e impositivo.

O Estado Social, garantista, se coloca numa posição proativa na defesa dos direitos da cidadania. Apresenta a superação ao paradigma da não-intervenção estatal (o que comumemte se denomina de Direitos de Primeira Geração), que propõe justamente um "non-facere" - ou uma esfera de autonomia da vontade individual. Encarnando a "égalité", serve o Estado como espécie de prumo social, ao se comprometer a conceder a todos os cidadãos-jurisdicionados condições iguais, independentemente de quaisquer fatores discriminatórios. Dentre eles, as condições financeiras.

Em especial, no caso do direito à saúde, não se desconhece que a assistência social é dever de todos: do Estado, entendido em sentido amplo, da família, da coletividade. No entanto, não se pode impingir a sociedade civil organizada, creio eu, a responsabilidade que o próprio Estado assume na Constituição - e que, para satisfazê-la, cobra tributos.

Isto posto, chega-se ao cerne da questão: O Estado invoca o princípio da "reserva do possível" para se eximir de dar cumprimento a Direito Fundamental, ainda mais quando está a se tratar do direito à saúde - relacionado, de forma intrínseca, com a dignidade humana entendida em seu sentido científico e não como a barrigudagem dos desprovidos de melhores argumentos.

Entendo eu, diante disso, que se o Estado não cumpre seu dever fundamental é hora de revolucionar: o Estado que não cumpre o determinado por seu ato fundante perde a razão de ser, devendo ser substituído por outro que o cumpra.

Ou não? Refutem!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Aleatoriedaes.

A temperatura não ajuda muito. Nuns dias chove, noutros dias bate sol, e a coisa aqui tá preta. Tosse que me agarrou e que não parece nem querer me largar, rinite dando - novamente - o ar da sua graça. As vicissitudes dessa vidinha mais ou menos. A mãe resolveu aparecer por aqui, o que é sinônimo de geladeira cheia e de casa limpa, o que faz com que eu me sinta, finalmente, como um universitário - às vésperas da formatura.

Nesse ínterim, falando em formatura, o segundo semestre letivo começa mais triste com o falecimento do compa Catatau. Ao que parece, envenenado. Pulularam, no entanto, informações dando conta de que teria sido ele espancado por alunos da Federal Rural do Rio que estavam no campus para o ENECO. Em horas como essa o "bom-mocismo" liberal-democrata, como diz o Fernandinho, sucumbe em face da doce lembrança da pêra anal.

***

De vez em quando, vou deixar de vagabundear para falar de algo que presta por aqui. O culpado é o Ligeiro e o blog dele.